Reviravolta
- Ana Paula Maciel Vilela
- Oct 17, 2023
- 2 min read

Imagem Unsplash por Mehdi Sepehri
“Quando eu abri os olhos pela manhã, não poderia supor que meu dia seria tão diferente dos outros”.
O som da rua movimentada invadia o quarto enquanto eu espreguiçava uma vez mais e me assentava na cama.
Preparei o café observando pela janela minha vizinha conversando com o cão enquanto regava suas plantas. Tudo agradável e corriqueiro como em outras manhãs.
Fechei a porta da sala enquanto batia as mãos em meus cabelos úmidos para que o gesto ajudasse a secá-los um pouco mais. Caminhei para o ponto de ônibus devagar pois ainda dispunha de tempo suficiente para o compromisso: a leitura do testamento do meu padrinho. A convivência com sua família havia sido próxima na infância, morávamos na mesma rua, íamos juntos passar férias na fazenda e meus bolos de aniversário eram confeccionados por ela, a quem me referia como tia. Eram tios de meu pai. Durante a adolescência e vida adulta, morando em outras cidades, os visitava sempre que estava nas férias, eles já morando sem os filhos por perto.
A convocação para estar presente chegou no final de uma semana exaustiva na qual havia passado por algumas entrevistas de emprego e achei inusitado e com um toque de mistério despertando em mim a curiosidade.
Na recepção procurei o rosto da filha com quem eu tinha mais contato em meio aos olhares que se dirigiam a mim. Apenas seis pessoas foram chamadas para a leitura no escritório; o filho mais velho, a filha, o neto, a empregada doméstica, o jardineiro e eu. Tumulto e vozes alteradas foram silenciadas quando a porta se fechou.
Após cerca de uma hora de reunião e assinaturas recolhidas, deixei o prédio cambaleando. Entrei em um táxi e fechei meus olhos com as palavras do advogado ressoando em minha mente.
Olhei pela janela. Sorri.
Crônica publicada na Coletânea de Cronistas Contemporâneos 2023 da Editora Persona
Comments